Independentemente
da situação do paciente, especialistas destacam que os Cirurgiões-Dentistas
devem redobrar atenção no controle do biofilme dental e fazer diagnóstico
correto da doença a fim de evitar graves problemas de saúde.
// Texto Mariana Pantano //
Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), em 2009, no Brasil, a obesidade atinge 12,4%
dos homens e 16,9% das mulheres com mais de 20 anos, 4% dos homens e 5,9% das
mulheres entre 10 e 19 anos, e 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas entre 5 e
9 anos.
O excesso de peso é considerado um sério problema de saúde pública e
predispõe o organismo a uma série de doenças como diabetes mellitus tipo 2,
apneia do sono, osteoartrite e problemas cardiovasculares.
Recentemente, foi publicado no jornal norte-americano
General Dentistry e divulgado no Portal Exame.com, em fevereiro de 2013, um
estudo que afirma que a obesidade é um fator de risco para a gengivite, pois o
organismo de uma pessoa obesa produz citocinas sem parar, e essas proteínas com
propriedades inflamatórias podem lesar diretamente os tecidos gengivais, reduzindo
o fluxo de sangue e resultando em doenças na gengiva.
Para o Cirurgião-Dentista e professor de Periodontia da
Unicamp, Antônio Wilson Sallum, o estudo é, na verdade, um artigo de revisão de
literatura e, portanto, inconclusivo para definir um novo fator de risco para a
doença periodontal. “Para que seja constatada a verdadeira relação causal entre
as condições avaliadas e confirmar que uma determinada condição sistêmica é um
verdadeiro fator de risco para a doença periodontal, é necessário realizar estudos
clínicos longitudinais controlados. Porém, a obesidade tem sido estudada enquanto
um indicador de risco devido às suas alterações sobre o sistema
imuno-inflamatório do hospedeiro que poderia, dessa forma, alterar a incidência
e o processo de evolução da doença periodontal.”
Sallum relata que existem estudos clínicos transversais que
têm correlacionado positivamente o índice de massa corporal ao aumento da
severidade do índice gengival (sangramento) e do nível de inserção clínica,
porém outras pesquisas não observaram o aumento de citocinas pró-inflamatórias
no fluido crevicular gengival de pacientes obesos, mostrando que as respostas
ainda são inconclusivas quanto a essa possível interação. “Há necessidade da realização
de novos estudos clínicos longitudinais para avaliar melhor esta possível
interação e, assim, confirmar que a obesidade aumenta a probabilidade e a
severidade das doenças periodontais, para que ela seja tida como um verdadeiro
fator de risco para a gengivite.”
De acordo com o professor Sallum, o fator etiológico
primário, ou seja, responsável diretamente pelo desenvolvimento da gengivite, é
a presença do biofilme bacteriano. “Sem o biofilme, o paciente não desenvolverá
a gengivite. Porém, a obesidade poderia aumentar a resposta inflamatória do
paciente diante da presença do biofilme e mediante a alteração na produção de
citocinas inflamatórias. Mas, deve-se deixar claro que ainda é preciso realizar
mais estudos conclusivos na literatura.”
Já o Cirurgião-Dentista e coordenador dos cursos de Pós- Graduação
em Periodontia do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic,
Eduardo Saba-Chujf, diz que o estudo em questão mostra uma realidade que a
Periodontia já vem deixando clara há algum tempo. “Esse estudo aponta para a
influência das doenças periodontais na saúde geral de nossos pacientes e é uma
via de mão dupla, pois também mostra a influência das doenças sistêmicas nas
doenças periodontais, tais como as gengivites e as periodontites.”
Saba-Chujfi destaca que os tecidos mal nutridos do paciente
obeso podem apresentar maior facilidade de desenvolvimento de doenças
periodontais, e “isto ocorre pelas deficiências de nutrição e de oxigenação
causadas por tecidos com excesso de gordura e dificuldade da manutenção
tecidual, havendo constante quebra da homeostase tecidual”.
Ele ainda ressalta que a obesidade é, talvez, “uma das
doenças mais sérias e difíceis de ser controlada, ou melhor, de ser curada,
pois leva o paciente a uma condição física lamentável, acabando com a saúde não
somente periodontal, mas em todos os tecidos e órgãos."
Fatores que podem desencadear a gengivite
A gengivite ocorre devido ao acúmulo de biofilme. “Existem doenças
sistêmicas, medicações como anticoncepcionais e anti-inflamatórios esteroidais,
hábitos como o tabagismo, e situações que alteram a regulação hormonal como gravidez
e puberdade que podem induzir a manifestação dessa doença, tornando-a mais agressiva
e piorando seu quadro clínico”, explica o professor Antônio Wilson Sallum.
Ele ainda afirma que algumas drogas estão associadas ao aumento
do volume da gengiva, ou seja, ao crescimento gengival não associado ao biofilme
Abril 2013 // APCD Jornal 7 dental, como anticonvulsivantes, por exemplo, a
fenitoína, e anti-hipertensivos como a nifedipina, que podem acarretar dificuldades
de controle mecânico do biofilme pelo paciente e, consequentemente, ocasionar
uma maior complicação no seu controle, favorecendo o desenvolvimento da
gengivite. Portanto, pacientes com alguma das alterações citadas deverão redobrar
a sua atenção na eficácia de sua higienização dental e, portanto, no controle
do biofilme dental devido à presença de uma resposta imuno- -inflamatória
diferenciada, associada a essas condições que poderiam alterar a progressão da
gengivite.”
A gengivite é uma doença infecciosa que acomete somente o
periodonto de proteção dos dentes. Porém, se não tratada, pode evoluir para uma
periodontite, que acomete os tecidos de sustentação dos dentes, podendo
culminar na perda desses elementos caso não seja feito o correto diagnóstico,
tratamento e manutenção do caso.
Papel do Cirurgião-Dentista no tratamento da doença Wilson
Sallum salienta que as doenças periodontais, excetuando-se os processos agudos
como abscessos e doenças periodontais ulcerativas necrosantes, são situações
que não desencadeiam sintomas no paciente. “Portanto, o clínico deverá estar
atento aos sinais manifestados pelo paciente no momento do exame e, verificando-se
qualquer alteração maior, deverá encaminhá-lo a um especialista para que possa
diagnosticá-lo corretamente e tratá-lo. É função de todos nós, profissionais da
Odontologia, a educação do paciente quanto a um correto controle de biofilme e
também ser informado de que sua participação no controle da formação de novos
acúmulos bacterianos é essencial para o sucesso de qualquer tratamento periodontal
e, consequentemente, no controle da gengivite.” Eduardo Saba-Chujfi acredita que
os pacientes devem ser incentivados para uma vida mais saudável, que se
preocupe mais com a manutenção da saúde geral, como prática de exercícios físicos,
boa alimentação e higiene adequada. “A obesidade mata e agrava ou causa
inúmeras doenças. As gengivites e periodontites podem sim ser mais um problema
agravado pela obesidade, pois existem pacientes que sequer conseguem fazer sua
higiene bucal por terem seus movimentos comprometidos, apresentarem problemas
vasculares, dor nos membros superiores, bursites, problemas reumáticos etc. Os
obesos não conseguem, muitas vezes, nem fazer sua higiene bucal em pé e
sentados também mostram dificuldades na utilização da escova e do fio ou fita dental”,
finaliza ele, com este preocupante alerta.
Fonte: Revista APCD - abril 2013